Para pensar:

"Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia."

Mario Quintana

sábado, 21 de março de 2009

Impressões de Tianjin, por Ige D'Aquino, na Miró

Conforme já noticiado neste blog, o pintor Ige D'Aquino expõe dia 7 de abril na Miró Arte em Pizza o resultado de seus últimos trabalhos em aquarela. A seguir, uma crítica do colecionador de arte Gary Knoble sobre os trabalhos que serão mostrados.
Uma nova direção
Ige D'Aquino parte em mais uma aventura com seus trabalhos recentes em papel, desta vez alcançando lugares tão longínquos como a China —ou estaria ele ainda em seu próprio quintal?
Há alguns anos, Ige me pediu que lhe trouxesse tinta nanquim da China. Me informei junto aos meus amigos pintores chineses quanto à melhor tinta e o melhor papel e os trouxe, junto com pincéis e vários livros sobre a tradicional pintura chinesa. Tivemos muitas e longas discussões sobre a estética e a perspectiva da pintura daquele país; agora, anos depois, ele explora muitos desses conceitos em seu novo trabalho, sem copiar nada diretamente, mas transformando elementos da pintura chinesa a seu próprio modo —o que se aplica aos excêntricos títulos, que sugerem, mas não copiam, nomes e lugares chineses.
O novo trabalho de Ige evoca o espírito dos pintores literati da dinastia Yuan (1271-1368). O famoso guerreiro mongol Genghis Khan destronou os imperadores Song da China e fundou a dinastia Yuan tendo Beijing como sua nova capital. Durante a dinastia Song, a pintura era rigorosamente controlada por uma corte altamente sofisticada e apresentava um realismo comercialmente orientado e tecnicamente muito avançado. Com a chegada dos rudes guerreiros mongóis, muitos dos pintores chineses de maior destaque foram para o exílio, voltando as costas para o mercado e optando por pintar somente para si mesmos. Um dos princípios que os orientavam era pintar o que a mente via, não o que os olhos viam, e suas pinturas tornaram-se muito diáfanas e abstratas. É exatamente esse espírito que enxergo nos novos trabalhos —o que não é muito surpreendente, já que esse mesmo movimento aconteceu na arte ocidental no final do século XIX com a ascensão do Impressionismo como reação ao realismo romântico do período imediatamente anterior.
Ige está extraindo conceitos universais de uma estética estrangeira e utilizando-os a seu modo. Sad Moon Rising é claramente ambientado no Rio, mas evoca as arrebatadoras montanhas de Guilin, que inspiraram tantos pintores chineses. Morro das Pedras está em Florianópolis, mas poderia ter sido pintado na Chengdu do século XIV. Casa em Lynghor, um nome inventado, poderia ser o refúgio rural de um pintor eremita do período Yuan —ou seria uma fazenda colonial no interior de Minas? Brincando com sépia nos campos do imperador é ambientado no tempo dos portugueses ou dos imperadores Yuan? As suaves linhas das árvores poderiam ser as famosas e verdejantes florestas de Huang Shan ou o que restou da Mata Atlântica. As colinas pedregosas, com suas mínimas pinceladas, poderiam estar nos bancos do rio Itaim ou nos de um pequeno riacho na província de Fujian. A pequena cabana apenas sugerida ao fundo poderia ser a chácara de um pintor brasileiro ou a humilde casa de um pintor literati eremita Yuan. Quedas de Salto poderia ser em Salto ou em Hangzhou.
China e Brasil estão muito próximas nestas belas e simples imagens. Onde ele nos levará a seguir?
Obra: Tsenyang (nanquim chinês sobre papel Montval).

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